
O Cinema vai ao Terreiro e, através da rica cinematografia baiana e brasileira, revela como o nosso cinema viu e vê a cultura dos Orixás e as religiões afroindígenas.
A curadora da Mostra de filmes Cine Odé – Cinema no Terreiro, Camele Queiroz, anima-se a cada sessão e relata com alegria intensa: “é uma riqueza promover o encontro do cinema com um público dele afastado por diversas razões, e ver esse público encontrar a arte num lugar em que está habituado a se relacionar com o sagrado, com as forças da natureza e com as divindades, e ao mesmo tempo ser um lugar de resistência e afirmação, e ver que a cada sessão esse público demonstra profunda identificação com a arte e a expressão cinematográfica, discutindo os filmes à luz de suas próprias experiências de vida e de Fé”.
Em março, o Cine Odé realizou a sua terceira sessão. A mostra, cujas sessões são mensais, acontece no Terreiro de Odé em Ilhéus/BA, localizado no bairro Alto do Basílio. O Terreiro foi fundado em 1942 por Pedro Faria de Souza, o Pai Pedro, que foi brutalmente assassinado no próprio Terreiro em 2003. A sua morte, sob circunstâncias até hoje não esclarecidas, chocou Ilhéus e região. Pai Pedro era muito conhecido na cidade e querido por muita gente, de todos os extratos sociais. Desde a sua morte, o Terreiro de Odé, lugar cuja história é tão rica quanto trágica, enfrenta graves dificuldades estruturais. Por conta da perda repentina do líder espiritual, as atividades do Terreiro foram interrompidas e, embora tombado pelo município de Ilhéus, a casa foi praticamente abandonada, tendo sido alvo de invasão e depredação. “A resistência nesse Terreiro – diz Camele Queiroz – se faz mais forte e mais visível, devido à sua história de grandes realizações interrompida de modo violento. O Cine Odé é o primeiro projeto que acontece aqui dentro desde a morte de Pedro Faria e tem atraído um público crescente que reúne universitários, antigos filhos de santo da casa, moradores do bairro Alto do Basílio e pesquisadores, entre outras pessoas”.

Somente de poucos anos para cá o Terreiro se recuperou do estado de abandono: sob a liderança de Maria Marta, o Terreiro de Odé foi retomado e hoje ela mora lá dentro, junto com a família e um pequeno grupo de colaboradores. Marta enfrentou resistências de todo tipo e de todo lado, internas e externas, mas também contou com ajuda de alguns amigos de pai Pedro, preocupados com a sua memória. Hoje ela quer transformar a casa num espaço cultural voltado para a cultura dos Orixás e para a memória de Pedro Faria de Souza.
É nesse contexto que a Mostra Cine Odé, realizada por Fabricio Ramos e Camele Queiroz, aparece na história do Terreiro, apresentando uma ampla e diversificada cinematografia baiana e brasileira. Para Fabricio Ramos, “os temas dos filmes se ligam ao conhecimento da cultura religiosa de matrizes africanas e indígenas, mas valorizam as controvérsias e contradições próprias de manifestações culturais ricas e constituídas sobre tradições orais, marginalizadas por um lado, mas resilientes em manter vivas suas divindades, rituais, conhecimentos e dinâmicas de relação com o Sagrado e com a Fé”.

Como exemplo, ele cita as exibições dos longas “Santo Forte”, de Eduardo Coutinho, que aconteceu em janeiro, e “Cafundó”, de Paulo Betti e Clóvis Bueno, que passou em março. “A parte do público – diz Fabricio – que presenciou as duas sessões relacionaram os dois filmes, um documental e outro ficcional, um que registra as experiências pessoais de moradores de uma favela do Rio com a religiosidade africana, e outro que traz uma cinebiografia que compõe uma síntese complexa da potência e dos mistérios da relação que o Brasil, em suas esferas populares e marginalizadas, constitui com o Sagrado e a Fé. Os espectadores referenciaram as suas intervenções em suas próprias vivências e visões de mundo, acusando contradições e similaridades com o que viram na tela”. Outros filmes encantaram o público, como “A Cidade das Mulheres”, de Lázaro Faria e curtas como “Professor Agenor”, de Marcelo Serra e Freddy Ribeiro, entre outros. “Os filmes provocam emoção no público, até arrepios segundo alguns, porque falam diretamente com as pessoas presentes, revelando a potência do cinema e comprovando a importância dos temas abordados nos filmes, que é a religiosidade não oficial”, completa Fabricio.
A Mostra Cine Odé começou em janeiro e vai até junho de 2016, sempre no último final de semana de cada mês. No sábado são exibidos dois curtas e no domingo um longa. A próxima sessão será a de abril, nos dias 30/4 e 1/5. Os filmes serão anunciados em breve. Toda a programação e informações sobre as sessões da Mostra podem ser acompanhadas no site do projeto Cine Odé e na página da Mostra no Facebook, para os adeptos da rede social.
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Um breve e intenso balanço do Cine Odé – Cinema no Terreiro até aqui (a mostra de filmes, que acontece em Ilhéus, vai até junho):